Se para Temer Mulher era Bela, Recatada e do Lar, para Philip Kotler mulher é Gerente Doméstica.


Com um tempo de atraso, chegou hoje em minhas mãos o livroMarketing 4.0: do tradicional ao digital”, de Phillip Kotler, Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan lançado neste último mês de agosto. Fiz o unboxing e fui folheá-lo.

Acredito que o papa do marketing descobriu o segredo de como vender livros sem colocar o na prateleira de autoajuda: tomou para si a ideia de Tim O’Reilly e começou a colocar numeração logo após a palavra Marketing: 2.0; 3.0 e agora, 4.0.

O livro Marketing 4.0 é mais do mesmo. Eu imaginava. Eu não sou ninguém, confesso e ainda admito que por muita gente boa e bem mais qualificada que eu. Contudo não é uma questão de humildade versus ‘a imperatriz do conhecimento do marketing’. No real, é uma mulher, comunicóloga que insiste em criticar a predominância de livros acadêmicos que permeiam os estudos de marketing na área da Comunicação Social.

Qualquer estudante da área da comunicação teve contato com algum livro Marketing-sabe-se--o-quê. É importante que saibamos sobre isso, admito, mas todo comunicador também tem que ter a certeza que, enquanto o marketing tenta limitar o mundo em números, a comunicação vai muito além disso. Aliás, não é insuficiência da área, mas é que a análise comportamental é muito mais complexa do que apenas uma segmentação de mercado e como tratá-los através de um meio.

Temos como imperativo analisar o ser humano, inclusive e com maior foco, para as questões de análises das Ciências Sociais e embora o MEC categorize o Marketing também às Ciências Sociais Aplicadas, o que ele é mesmo é Exatas. Ao transformar o mundo em número, métricas, retornos sobre o investimento não nada de sociológico aqui e sim, exatidão.

Ao abrir o livro e ir ao subcapítulo “Mulheres: crescimento da participação no mercado’ (p. 52 – 54) vi que os autores conseguiram, em apenas 2 páginas limitar a participação da mulher para uma condição de “especialistas do lar”, descrição feita pela agência de publicidade Heads[1] em sua pesquisa no ano passado. Citando a autora Rena Bartos, os autores apontam a segmentação feminina como:

“Estando mais adaptadas às multitarefas, as mulheres são intrinsecamente melhores gerentes quando se trata de atribuições complexas e multifacetadas, em casa, no trabalho ou em ambos.”

Percebam que há um grau de relevância nas atribuições femininas descritas pelos autores. Primeiro, somos boas no lar e só depois no trabalho. O livro ainda continua com determinações absurdamente estereotipadas do que é uma mulher:

“Conversam mais sobre marcas”;

“Enquanto o caminho de compra do homem é curto e direto, o da mulher se assemelha a uma espiral”;

“As mulheres costumam passar horas nas lojas examinando [...] ao passo que os homens costumam limitar a pesquisa e ir atrás do que querem o mais rápido possível”;

“Enquanto os homens querem apenas resolver a situação, as mulheres querem encontrar o produto perfeito”

E então que os autores conseguem a façanha de imprimir em milhares de cópias, a seguinte afirmação:

“Por conta de todas essas qualidades, as mulheres são de fato gerentes domésticas. Elas merecem os títulos de diretoras financeiras, supervisoras de compras e gerentes de ativos da família.”

Pasmem, esta frase está escrita na página 54 de um livro sobre marketing, onde Phillip Kotler – o sempre referenciado como Papa do Marketing – assina como autor. Fiz uma singela indagação: Qual seria a resposta se eu perguntasse ao original Sumo Pontífice da Igreja Católica? Aquela que é uma instituição secular e muito tradicional. Talvez até ele ficaria impressionado com tamanha audácia dos autores em diminuir a mulher contemporânea apenas à condição de administradora do lar.
O subcapítulo finaliza com a seguinte frase:

“Para acessar mercados ainda maiores, as marcas precisarão passar pelo processo de tomada de decisão abrangente das mulheres”.

u-a-u.
Devo agradecer?

No dia 8 de março deste ano de 2017, o atual presidente do Brasil Michel Temer, ao fazer um discurso[2] no Dia Internacional de luta pela equidade de gênero, em que comumente chamamos de Dia das Mulheres, realizou um pronunciamento onde disse:

"Se a sociedade vai bem, quando os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada educação e formação em suas casas. E seguramente isso quem faz não é o homem, isso quem faz é a mulher"

O discurso, que sequer possui 10 minutos de duração, não ficou apenas nesta descrição da mulher pela ótica do presidente. Para além, o Excelentíssimo ainda continuou:

"Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados do que a mulher. Ninguém é capaz de melhor detectar as eventuais flutuações econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou menor"

O pronunciamento obteve uma óbvia repercussão negativa. Meios de comunicação de massa, bem como nas mídias e redes sociais virtuais, através de depoimentos da população, apontaram a absoluta falta de compreensão deste senhor para com a atual mulher, seja ela brasileira ou não. O levante foi tamanho que a própria instituição ‘Presidência da República’ fez uma retratação através do perfil do presidente no Twitter.

Concluo que, em época de Primavera Árabe, Marcha das Vadias entre muitos outras mobilizações sociais onde as mulheres foram protagonistas nestes levantes e com diversas pautas e demandas sociais, assim como nos atuais dias de mudanças de posturas de marcas, justamente porque estas possuíam um discurso machista, muito me admira um livro possuir tanta disparidade no entendimento do que é a mulher neste século XXI.
Com o mesmo ponto de vista que já tinha antes de abrir o referenciado livro, comento: - Kotler, por favor, apenas pare.

Samara Brochado
professora universitária, publicitária.
16 de setembro de 2017



[1] Em Outubro de 2016 a agência Heads apresentou em seminário organizado pela ONU Mulheres na cidade do Rio de Janeiro, o estudo “Todxs por Elas” onde foi analisada a representatividade das mulheres na publicidade. Além disso, a mesma foi a primeira agência brasileira a ser signatária da carta de princípios da ONU Mulheres. Mais informação sobre a pesquisa pode ser consultada em: http://www.heads.com.br/estudos/36/todxs-por-elas
[2] O discurso está disponível de modo integral no link: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/discursos-do-presidente-da-republica/discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer-durante-cerimonia-de-comemoracao-pelo-dia-internacional-da-mulher-brasilia-df

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